16°C 22°C
Blumenau, SC

Um museu para o Garcia

Das memórias de Adalberto Day, em documentos e objetos, passa da hora do “Reino” ganhar um museu para exposição deste rico acervo e história

26/07/2025 às 23h16 Atualizada em 27/07/2025 às 00h23
Por: Andre Bonomini
Compartilhe:
Um museu para o Garcia

"Os 60 Girassóis de Lindolf Bell"...

Entre as inspiradas produções apresentadas na famosa e tradicional "Prova do Vídeo", da Gincana Cidade de Blumenau, admito ao leitor que foi esta a que mais me emocionou incontidamente. 

O lado poeta deste escriba vibrou. Inevitável! Aquele momento no tempo-e-espaço em que uma provocação audiovisual tira lágrimas mesmo que elas não apareçam nos olhos dada a sutileza da mensagem sem o exagero teatral ou artistico de uma edição "de produtora".

Foi impossível conter-me no sutil correr de lembranças, e não exatamente por Bell, cujas reverencias são tão eternas quanto. A obra da equipe Capivaras, novata na GCB, teve como ponto de inspiração os relatos sobre o poeta escritos e eternizados nas linhas virtuais do saudoso professor e mentor deste escriba: Adalberto Day. 

Adalberto, o Beto em intima amizade e como era chamado por aqueles que ainda tiveram a oportunidade de perguntar diretamente a ele sobre nossa memória, do Garcia e de Blumenau. O primeiro a acreditar na minha forma de escrever história e nos achados que tinha sobre nosso passado, ainda desenterrando o baú familiar.

O primeiro texto que escrevi à Beto data de 2008, quando a rotina se resumia ao trabalho em chão-de-fábrica como talhador e o mundo acadêmico era uma realidade distânte, quase uma miragem naqueles tempos ainda preguiçosos do fim da adolescencia.

Foram inumeras trocas de ideias, escritos, conversas aleatórias e até os puxões de orelha naturais de quem ou estava aprendendo ou estava deslizando no processo. 

O convivio e as trocas só terminaram mesmo por força da vida, quando na noite alta de uma segunda-feira de maio de 2023, o velho professor "quebrou o contrato" e seguiu para o andar superior depois de uma dura luta contra a nefastidão do câncer. 

Os últimos cafés com o professor em vida foram entre o rico acervo que mantinha e os quitutes da Dalva, sempre com um sorriso na recepção. Beto deixou enlutada não apenas a família que tanto o amava mas uma roda de admiradores do trabalho que desenvolvera desde muito tempo e tido como referencial até hoje. 

Este escriba, em uma das visitas à casa de Adalberto Day, no tempos de chão-de-fábrica (Acervo Pessoal)

O blog, autêntico relicário virtual, ainda está ativo pelas esquinas das redes, com todos os escritos, relatos e crônicas minhas e de gente do naipe de Urda Alice Klueger, Niels Deeke e Carlos Braga Mueller. E digo convicto ainda que, se hoje cá estamos falando de história no AJ NOTÍCIAS, tudo começou timidamente entre e-mails trocados e uma recordação sobre um antigo abatedouro de carnes do Progresso (que, um dia, vou recordar aos amigos por aqui).

Mas o que faz-me recordar Adalberto hoje? A justa homenagem da Capivaras à memória de Lindolf Bell partindo dos escritos do saudoso professor abrem um pensamento necessário quando lembramos que Beto tinha muito mais que escritos e estudos sobre nossa memória, algo que contava tanto ou muito mais do que as letras que digitava dia e noite.

O rico acervo de memorabília que mantinha em sua casa por anos era um museu tão cobiçado de se visitar quanto os mantidos pela prefeitura. Estive por lá algumas vezes, assim como alguns colegas de imprensa, estudantes, políticos e entusiastas que brilhavam os olhos a cada objeto resgatado das prateleiras e armarios.

Visão geral da sala do acervo na então casa de Adalberto Day

Impossível descrever tudo. A riqueza em equipamentos de escritório, rádios, maquinas fotográficas e de escrever, fotografias, produtos antigos de Artex e Garcia ainda com a etiqueta original e, especialmente, camisas, bandeiras e recordações do anilado Amazonas Esporte Clube recheavam aquele espaço, tornando conversas simples em verdadeiras aulas imersivas sobre o passado do sul de Blumenau.

Lembro com destaque alguns elementos: o famoso rádio de baquelite com as frequências designadas pelos países que eram sintonizados, a câmera fotografica que pertenceu a Otto Huber, uma camisa do Amazonas original, uma antiga calculadora Facit (Facitinha) cujas contas Beto fazia na nossa frente sem truques de edição, simplesmente indescritivel os detalhes que vem à mente.

O rádio valvulado de baquelite cujas frequências eram representadas pelos países que podiam ser sintonizados
A "Facitinha", calculadora mecânica cujas contas feitas soavam como "bruxaria"
Segundo Beto, a mais antiga bandeira de clube de futebol do Brasil, do Amazonas
Lenços e produtos de Garcia e Artex, ainda com etiquetas e embalagens originais

Lançadores de tear originais da EIG
Câmera fotográfica que pertenceu a Otto Huber, um dos fundadores da Artex

Aquela caixa de memórias na casa de Beto, nas curvas da Julio Heiden, era um recorte precioso para se perder numa viagem no tempo. Mas as dificuldades da idade e da doença obrigaram movimentos. Felizmente, o acervo não foi desmantelado ou perdido, mas nunca mais foi visto. 

Tive a oportunidade de cuidar de algumas peças que incluiam até um antigo aparelho de telex, mas a correria do dia me impediu de trabalhar por uma iniciativa maior: o museu definitivo. Naqueles dias de 2017 e 2018, entre idas e vindas, grande parte do acervo foi parar em uma sala da EEB Celso Ramos, na Glória, e outra parte menor e ainda mais sensível está sob o cuidado zeloso da querida Dalva no apartamento onde vive. 

A promessa era de um espaço de exposição na escola, mas nunca cumprida. Houveram movimentações para que o acervo tomasse o espaço de uma sala na empresa Bella Janela, uma das maiores incentivadoras desta dita "alma bairrista" que o Reino do Garcia tomou desde a criação deste universo particular pela criatividade do Sargento Junkes. 

No entanto, passam-se os anos, as correrias do dia se avolumam e o museu fica sendo um sonho quase impossível, devaneio de alguma reunião do passado.

Tão linda e bela quanto a recordação de Bell é a reverencia a memória de um cientista social, professor dedicado e pesquisador apaixonado pela história que, muito mais do que as passagens de vida de quem o conheceu, merece a verdadeira e concreta exposição da memória que pesquisou, conservou e, aos poucos, dispôs a tantos. 

E Adalberto Day não merece, nem de longe, ser uma simples nota de rodapé entre os entusiastas. Seria um escárnio, como rasgar um documento único, vilimpediar uma memória tão viva quanto qualquer livro de história.

Imagens (ate com descrição) de outros tempos do Garcia: a EIG, a Artex, incluindo indicações dos antigos caminhos entre os bairros Progresso e Gloria. Estes e outros documentos aguardam a justa exposção ao público

A nova geração que ai está recontando nossa história (onde cito eu, André Cantoni, Henrique Martins e outros), tem como inspiração gente do quilate do professor, que por um pequeno detalhe deslumbrava-se e procurava a fundo entender sua origem, sua história e ligações com outros elementos, neste gigante quebra-cabeça que é o passado blumenauense tão depauperado e ainda por descobrir.

E por que o "museu do Garcia", se é que pode se chamar assim, não sai? Não está passando da hora do Reino mostrar de fato o seu passado valendo-se e prestando homenagem ao trabalho de Adalberto Day? 

Uma ideia como esta não pode ser sepultada ou esquecida pela inviabilidade das coisas ou pela comédia diária, deve ser conduzida com seriedade, carinho e inciativa concreta e, por que não, imediata. 

Tão importante quanto o bairrismo que o envolve, trata-se de um pedaço enorme de nossa memória, de uma das primeiras regiões colonizadas da hoje cidade que não se pode perder ou esconder. 

Não é também e apenas um lugar próprio e merecido para repousar toda esta rica memorabília, mas que se permita uma justa viagem no tempo que se explique o que é o Garcia que tantos falam e que Adalberto pesquisava incessantemente, com o mesmo amor e carinho por este rincão blumenauense que eu e Junkes temos nestes nossos dias.

Enfim, não é preciso mais escrever apenas, pois isto são apenas ideias em um site. Que se faça o movimento, chamem os elementos e, de fato, faça sair do papel e dos sonhos este espaço.

História não se esconde ou se esquece, e é ela que deslumbra e norteia mentes para um futuro mais consciente.

Girassóis nascem a todo tempo e garrafas ainda boiam com as poesias de Bell em algum lugar do nosso cotidiano.

A história de Blumenau, do Garcia e a memória de Adalberto Day não podem ser apenas um sonho, um mero girassol.

Passa da hora! Pelo museu!

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Mostrar mais comentários
Andre Bonomini
Sobre o blog/coluna
Jornalista apaixonado pela memória e identidade local, André Bonomini escreve sobre fragmentos da história de Blumenau. Com sensibilidade e rigor na pesquisa, resgata fatos, personagens e curiosidades que ajudam a entender o passado e refletir sobre o presente da cidade. Seu trabalho busca preservar a memória coletiva e aproximar o público das raízes culturais de Blumenau.

Ver notícias
Blumenau, SC
19°
Tempo nublado

Mín. 16° Máx. 22°

19° Sensação
1.79km/h Vento
87% Umidade
0% (0mm) Chance de chuva
06h59 Nascer do sol
05h46 Pôr do sol
Seg 23° 13°
Ter 18°
Qua 19°
Qui 19°
Sex 23° 11°
Atualizado às 17h01
Publicidade
Economia
Dólar
R$ 5,57 +0,02%
Euro
R$ 6,53 +0,00%
Peso Argentino
R$ 0,00 +0,00%
Bitcoin
R$ 702,651,42 +1,50%
Ibovespa
133,524,19 pts -0.21%