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Blumenau é Brasil, e Brasil é futebol

1 a 0 no placar, cerveja pro alto, gritos e gritos, alguns palavrões no ar, mais uma tarde alegre de peleja aos pés da Igreja Luterana. Vencia o BEC.

31/05/2025 às 10h40 Atualizada em 31/05/2025 às 10h45
Por: Redação
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Foto: Arquivo
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Blumenau é Brasil. E Brasil, aos domingos, é futebol

A convulsão social que tomava de assalto outra vez a reta da Palmenalle, quase que bloqueando a via numa maré tricolor que rumava ao diminuto e fervente caldeirão esportivo era resumida na definição perfeita encontrada na frase do colega Claudio Holzer quando passava o texto na cabine de gravação da RBS na segunda seguinte.

Naquela feita, domingo, 9 de março, última rodada da fase classificatória do Catarinense de 1997. O BEC, com a faca nos dentes a cata de uma vitória, por menor que fosse o placar, em cima de um difícil Tubarão para garantir a vaga para o quadrangular final como o último dos quatro.

E superar o embalado escrete da cidade azul, campeão do segundo turno daquele ano, não seria fácil nem mesmo em casa.

Jogo nervoso, bola na trave, arbitragem confusa e, quando o empate era certeza, o penalti final. Polaco foi rastelado pelo zagueiro do time do sul e não deixou alternativa ao árbitro, que já tinha voltado atrás uma vez em uma infração clara dentro da área. Era a chance final.

A respiração da torcida pifou. Teve quem nem respirava. Algum mais nervoso olhava para trás e tampava os ouvidos. Evair foi pra bola, com violencia e cravou a “rainha dos brinquedos” no filó do velho Deba.

1 a 0 no placar, cerveja pro alto, gritos e gritos, alguns palavrões no ar, mais uma tarde alegre de peleja aos pés da Igreja Luterana. Vencia o BEC.

Por momento, estou parado do lado de fora do campo do Sesi quase que ouvindo em eco o grito da torcida, fosse ela verde ou tricolor. Meses atrás, largado as traças no empurra político, hoje uma casa modesta com aroma de tinta nova, grama viçosa e um silêncio cortado, por hora, pelo tráfego que corta a Rua Itajaí.

No sabá, as árvores balançam calmamente como se prevendo que, no dia do derby, fossem tremer com a vibração e o misto de raiva e alegria dos “penetras” que recorriam ao morro para ver o espetáculo “na faixa”. Os pés que cortam o estacionamento do Bernardo Werner ainda são dos atletas do esporte blumenauense, alguns que amanhã vão estar do outro lado do alambrado que cerca o estádio, outros que estão concentrados no treino do dia.

Calmaria solene, permitivel tempo para refletir, repetir os pensamentos que me levam na mesma frase que entusiastas da história e do esporte da cidade tem em comum: é difícil fazer futebol em Blumenau, mas quando algo parece acontecer na grama do Sesi, dá um relâmpago de esperança no velho e batido “agora vai”.

Nunca foi fácil e, sem querer parecer cético, nunca será. Desde o dia que os tripulantes do cruzador alemão “Von Der Tann” saíram de Itajaí para bater uma bola no pasto do Hotel Holetz contra o combinado de sócios do Turnverein Blumenau (Sociedade Gymnastica) no distante 1911 que ousamos tentar rolar uma bola no gramado com decência e verdade.

Os marinheiros do cruzador alemão Von den Tann e os jogadores do Turnverein Blumenau (camisas listradas) no primeiro jogo de futebol registrado na cidade (FCB / AHJFS)

E até parece que a teimosia de continuar mesmo perdendo vem também de lá. Afinal, os marinheiros alemães venceram aquela partida. Nossa primeira derrota do prélio batido com uma bola de capotão pesado, camisas de manga longa e a rudeza de quem ainda estava tentando entender aquele esporte trazido na bolsa pelo britânico Charles Miller.

Derrotas e vitórias, talvez usando-se da dureza de ser um entusiasta, jogador, realizador do futebol nesta cidade, é passível de dizer que temos mais derrotas do que vitórias. É duro bater nesta tecla, mas incutir em pensamentos blumenauanos que o futebol tem história e merece mais é um desafio antigo, vem dos tempos dos campos amadores e das partidas que colocavam até bairros e cidades vizinhas umas contra as outras.

Os antigos, poucos avôs ainda vivos, hão de recordar os ruidosos encontros que misturavam as cores do Amazonas, do Olímpico, do Palmeiras, do Vasto Verde, do Guarani e até mesmo dos forasteiros tão persistentes como nós: o Tupi (Gaspar), Humaitá (Nova Trento), Carlos Renaux e Paysandu (Brusque), União (Timbó), Floresta (Pomerode) e vai por ai afora tantos outros teimosos como a gente.

Um dos tantos times do Amazonas, formado no chão de fábrica da Garcia, entre 1911 e 1974 (Adalberto Day)
O Olímpico, único time de Blumenau campeão catarinense (e por duas vezes). Na imagem, a equipe de 1964 (Adalberto Day)
O Palmeiras, precursor do BEC, nos anos 1970 (JSC)

Eram tempos mais românticos, onde alternar entre o profissional e o amador pouco se tinha de diferença. Futebol aos domingos era como o bar, com a diferença do jogo ser a céu aberto, a cerveja vir menos gelada e os gritos serem ainda mais viscerais tal como a entrega em campo, que deixava no imaginário craques da bola no nosso álbum de figurinhas próprio.

Os anos passaram, poucos resistiram, alguns sumiram e o profissionalismo fez a peneira cruel. Blumenau, no cenário estadual, embatia contra os Golias da capital, espremido entre o Estreito e o Adolpho Konder/Ressacada atrás de furar a constante das glórias de Avaí e Figueirense. Isto quando a rivalidade antiga com Joinville não era colocada a prova aqui ou no convulsivo Ernestão, no norte do estado.

Na nossa galeria de troféus de maiorais catarinense, apenas o Olimpico cuida dos já oxidados e empoeirados tentos que conquistou. O unico da cidade até hoje, o que deixou-se ser atrevido para roubar do Avaí a gloria em 1949 e derrubar o Inter de Lages na maratona de 1964. Repousa tranquilo como clube social, emprestando o grená para ilustrar o tricolor dos dias atuais.

No prélio do Sesi, entra o Blumenau, o mais antigo e rasgado de amor aos torcedores, o “mais querido do estado”. Viveu o auge no fim dos anos 1980, levando a cidade a abrir as porteiras do mesmo Sesi para um dos grandes times daqueles idos: Cantarelli, Leandro, Alcindo, Zinho e o tal “galinho”, sob a batuta do mestre Telê Santana, que nos abreviou a aventura na primeira Copa do Brasil num duplo 3 a 1 (aqui e no Maracanã).

O BEC, cujas glorias das vitórias dominicais e de meio-de-semana ficaram perambulando no imaginário (e na cabeça deste escriba), sucumbido pelos desarranjos financeiros e que passou décadas entre o esquecimento e as tentativas de reerguimento. Volta com vigor, ambicioso, com solidez e dinheiro em caixa mas ainda naquela velha incerteza: “tudo isso é verdade mesmo?”

Matéria da Placar em 1980: O inicio do dito “esquadrão” do BEC que viveu o auge no fim dos anos 1980 e busca voltar a grandeza de outros tempos (Editora Abril / Placar)

Do outro lado, o lado verde, emerge o Metropolitano, o Metrô, o da nova geração que ainda não sentiu a mesma importância de dias históricos como o rival mas já permitiu-se ser atrevido como o coirmão. Jovem, valente, as vezes injustiçado e por vezes também vitima da inconstância gerencial do futebol por estas bandas, já tem titulo internacional na prateleira e algumas memórias para recordar.

Não é correto ignorar memórias recentes no livro de história do esporte bretão citadino. Lembro de ver pela televisão a estreia do clube na primeira divisão de 2005, contra o Joinville, nos tirando um hiato de seis anos sem estar na prateleira principal do futebol estadual. Alternaram-se dias bons e ruins, momentos de glória e tristeza, mas quase como símbolo desta teimosia atual e injusta, lá estava o Metrô segurando quase combalido a bandeira antiga do futebol da cidade.

O Metropolitano campeão da Serie B catarinense, em 2018. Equipe tem até titulo internacional na galeria mas lida, até até, com a teimosia de se fazer futebol numa cidade avessa ao esporte, vivendo momentos bons e tristes em pouco mais de 20 anos (Divulgação / ND)

Nunca será fácil, e não vai ser dessa vez. Mas sentado quase como um ermitão na arquibancada, entre o verde e o tricolor, observo e reflito comigo se, ao menos dessa vez, dá para pensar diferente e acredtar que o futebol não é um incômodo ou causador de ciumes, mas um propulsor da vida social e gerador de divisas: a cidade, aos jogadores, times, ao que faz essa roda girar mesmo na teimosia.

A bola rolando, seja em treinos ou no campo, parece motivador de raiva quando não deveria o ser. Estes tempos vira-latas de futebol pobre e teimoso já deviam estar em alguma nota de rodapé nos livros de história. Não é mais aceitavel que a terceira cidade do estado não tenha uma representação digna na prateleira principal, com um jogo que mostre a cara e nos dê o respeito de fato entre outros polos barriga-verdes.

O “voltar para casa” que vejo cercado pelo Sesi não é só para um ou para outro, tem que ser visto como um recado definitivo de que é possivel e precisa de seriedade e competência. Os memorialistas como eu, o Cantoni e o Martins queremos escrever páginas para o futuro com a certeza de que o que martelamos hoje não é ignorancia gritada pelos tios e tias do sofá, mas um esporte que merece e deve ter espaço nesta cidade tantas vezes laureada no JASC e celeiro de atletas.

E assim, naquela indisfarçavel alegria de sentir o clima de Brasil de fato, driblo as cadeiras do Monumental e vou-me indo seguir o caminho. Tenho meu time a apoiar mas torço pelo todo, onde a nossa história, por favor, seja enfim grata com o esporte bretão e, a despeito dos desdenhosos, faça a bola rolar de uma vez entre os canecos de chope.

Alias, é tempo de clássico… E não é exagero batizar o derby de “clássico do chopp”. Deixemos o ser. A história merece, Blumenau e Metropolitano merecem.

E Blumenau é Brasil. E Brasil, aos domingos, quartas, e sábados… também é futebol”.

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Andre Bonomini
Sobre o blog/coluna
Jornalista apaixonado pela memória e identidade local, André Bonomini escreve sobre fragmentos da história de Blumenau. Com sensibilidade e rigor na pesquisa, resgata fatos, personagens e curiosidades que ajudam a entender o passado e refletir sobre o presente da cidade. Seu trabalho busca preservar a memória coletiva e aproximar o público das raízes culturais de Blumenau.

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